quarta-feira, abril 19, 2006

Objectividade Matemática


Um Quociente apaixonou-se um dia doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base... Uma Figura Ímpar
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua uma vida
Paralela à dela.

Até que se encontraram
no Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas podes chamar-me de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs
Primos-entre-si.

E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação, traçando
Ao sabor do momento e da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas senoidais.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram casar-se.

Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos o Poliedro e a Bissectriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.

Casaram-se e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.

Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Frequentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu
A Relatividade.
E tudo o que era espúrio passou a ser Moralidade.
Como aliás, em qualquer Sociedade.

terça-feira, abril 04, 2006

Vizinhos

Saí de casa...
Desci pelo elevador até à garagem...
A luz estava acesa...
Um homem de meia idade sentado num banquinho ao lado do seu carro...
Pareceu-me tão compenetrado nas suas coisas que nem reparou em mim.
"Bom dia! :D" - Disse eu com o melhor sorriso que consegui arranjar àquela hora da manhã.
"Bom dia" - Respondeu o homem voltando-se o suficiente para me olhar de soslaio e remetendo-se logo de seguida às suas "coisinhas".
Abri o portão da minha garagem, meti-me no carro e segui o meu caminho...

O Sol brilhava lá fora... não brilhando o suficiente para me distrair daquele "quase" encontro. Durante mais uma viagem de casa para o trabalho não pude deixar de pensar em como as pessoas podem estar tão perto, dormir quase do outro lado de uma parede e nem por isso se conhecerem umas às outras. É certo que a maior parte das pessoas só utiliza a sua casa para dormir, passam o dia todo fora e só regressam à noite. Mas isso não serve de desculpa, ou pelo menos não deveria servir...

Quem me conhece sabe que apesar de ter nascido em Lisboa, fui muito cedo morar para uma aldeia nos arredores de Coimbra. Agora imaginem, numa aldeia todos se conhecem, uma pessoa sai à rua e qualquer outra que encontre é conhecida, as pessoas vão à casa umas das outras, param para conversar... “tocam-se”...

Aqui na “cidade” é tudo diferente, são todos muito mais distantes, se for preciso, as pessoas passam uma vida inteira a morar lado a lado com outras e o mais que conhecem da casa dos vizinhos é o hall de entrada.

No início parecia-me tudo um bocado estranho, mas com o tempo comecei a habituar-me e a perceber que é natural, as coisas são assim mesmo... mas não pensem que vivo resignado, não, muito pelo contrário, sempre que posso tento mudar este estado das coisas. Basta pensarmos que se todos fizéssemos um bocadinho... se cedêssemos todos um pouquinho que seja... seria tudo muito mais fácil.

Pois é... aqui vos deixo um pequeno desafio. Quantos de vocês conhecem realmente os vossos vizinhos? Não conhecem pois não? Então façam um esforço... por mais pequeno que seja, vão ver que compensa...

Querem saber porque compensa? Aquele mesmo homem de meia idade e compenetrado nas suas “coisinhas” foi o único que passados uns dias ajudou aqui o Mestre quando ele se esqueceu da chave de casa lá dentro... e acreditem que foi uma grande ajuda...